18/01/05

DO FALAR POESIA -1



Tenho vindo a recolher textos, sobretudo escritos por poetas, consagrados ou ainda não , sobre a poesia e o fazer poético.


Começo por uma pequena introdução :


(....) É esta a dura tarefa do poeta e do fazer poético: - Lutar insistentemente com a palavra indescoberta, incriada, porque de seu labor árduo recolhe novos sentidos e os transfigura pela palavra, «fingindo», tantas vezes, como diz Fernando Pessoa, «a dor que deveras sente».-É também esta a luta de Orpheu (por isso, a poesia é eminentemente órphica)- encontrar a palavra primordial e única que lhe faça reencontrar Eurídice e trazê-la de volta, depois da sua longa e árdua caminhada iniciática.


Começa então o trabalho do leitor. Ele completa o poema, captando-lhe o sentido, recuperando com o poeta um saber das origens, simultaneamente longínquo e reencontrado.

Ler um poema será então este reencontro com a palavra do poeta, - que vai do coração para a cabeça, como dizia Almada Negreiros num texto muito bonito, intitulado «A flor», - o contacto com modos de dizer,produzindo sentidos ‘outros’, (estamos no domínio da ‘transcendência’, dado que na base da criação poética está a metáfora, criadora de realidades ‘outras’; - sendo assim o texto uma ficção, um fingimento - em que nos reconhecemos - ou não...).

Ora, sabemos, o acesso ao transcendente faz-se pela via da iniciação e por degraus - iniciando-se, no caso vertente, pela emoção ( o coração que, como no poema de Pessoa, é um combóio de corda que «gira a entreter a razão»). Mistério órfico por excelência, é essa a via iniciática a que nos convidam os poetas, os fazedores de sentidos.

E por isso eu posso dizer também isto - que a muitos poderá parecer ousado demais: - viver, ler e sentir a poesia é também: - sentir, tocar com a nossa alma e coração o coração e a alma que habitam o poema - ou que o poema sugere.

Vem-me daí essa sensação de uma certa espécie de «plágio» que sinto em relação a tantos poemas e poetas - - os que dizem o indizível que só a palavra transfigurada permite. Como se eu fosse, também, uma espécie de co-autora...

«Sentir, sinta quem lê» - é certo. Mas só sentimos com os poemas que estavam em botão dentro de nós e «partilhamos» com o poeta que os «fingiu» nessa luta incessante pela palavra justa. (....)

(Amélia Pais)

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