22/02/05

INESIANAS - 11

ADIVINHAS DE PEDRO E INÊS
(excertos)

"... Diz-se que os amores de D. Pedro e Inês começaram nesse primeiro encontro. A beleza de Inês exerce efeito sobre o príncipe e satisfaz a sua fantasia. Mas os que se apaixonam sempre estiveram apaixonados. Há um vestígio de recordação de coisas vividas no coração humano e que nem sequer precisam de corresponder a factos reais. São ás vezes um discurso incoerente mas em que entra a selecção das ideias na direcção de um núcleo original que a todos nos atraí. A origem das coisas e da vida é o princípio fascinante da nossa inclinação; o amor não significa mais que um brusco conhecimento da identidade original, o mesmo que nos faz ser difusos no comportamento social, ou religiosos, idealistas e poetas. “
[............................................]
É certo que a beleza oficial de Inês motivara a inclinação de Pedro, ou, pelo menos, dera suporte ao. aplauso trovadoresco que o envolveu, partindo da seita celta da Ri­beira da Homem. Amor sem apoio corporal não seria enten­dido nessa corte decadente de trovadores. Com Inês, o amor, sempre sujeito e dependente de cumplicidades obscuras, que partem das imagens fixadas desde a infância, não só no homem mas sobretudo no grupo, tomou um sentido que ultrapassava em muito a realidade do objecto. É possível que, ao querer abandonar Inês, com a simplicidade com que as coisas se faziam na sociedade feudal, o infante encon­trasse obstáculos insuperáveis. O primeiro foi o facto de a experiência quotidiana ter dado à pessoa amada uma invul­nerabilidade inesperada. Deixar Inês seria ofender a con­cepção platónica do amor, que resiste mais profundamente no coração humano do que o desejo que se satisfaz e que procria carnalmente. Decerto modo era trair o Eros cortês em que o segredo, a paciência e até o descontentamento têm tanta importância. Vemos muito claramente que o amor de Pedro é revestido de segredo. Não porque declará-lo seja impossível, graças ao impedimento do temor paterno; como o Dr. João das Regras muito bem sugere, esse temor não existia num filho que já se levantara contra seu pai com enorme sanha. O que sucedia é que Inês significava o princípio feminino que existe antes da matéria; e a relação com ela produzia no círculo dos amigos um estado de consolação mútua que era perigoso interromper. No entanto, quando o amor de Pedro se revela mais do que uma liturgia para sus­tento e estímulo do grupo social mais requintado da época
­[……………………………..]
Inês não era só o corpo físico, mas tudo o que compõe a alma, o total do homem profano: a razão, os desejos e até o tempo de acção que transforma a sociedade.

Agustina Bessa Luí­s,in Adivinhas de Pedro e Inês

Etiquetas:

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Licença Creative Commons