22/07/06

LEITURAS - 16



"A quem revelar a minha tristeza?..."

[…]
Iona olha para trás, para o passageiro, e move os lábios... Vê-se que quer dizer alguma coisa, mas da sua garganta não sai nada, a não ser um som gutural.
- O que é? - pergunta o militar.
Iona torce a boca num sorriso, força a garganta e rouqueja:
- É que... patrão... tocou-me a mim... o meu filho... morreu-me esta semana.
- Humm!... E de que foi que ele morreu?
Iona volta-se de corpo inteiro para o passageiro e diz:
- E quem sabe lá! Das febres, se calhar... Ficou três dias no hospital e se morreu... É a vontade de Deus.
- Vira, demónio! - ouve-se na escuridão. - Estás cego ou o quê, cachorro velho? Abre os olhos!

- A andar, a andar... - diz o passageiro. - Assim, nem amanhã lá chegamos. Aperta com isso!
O cocheiro torna a esticar o pescoço, a soerguer-se, brandindo o chicote com graça pesada. Depois, volta repetidas vezes a cabeça para o passageiro, mas já este fechara os olhos, e pelo visto, sem disposição parra o ouvir.
[…]

Anton Tchecok, Saudade
in Contos -vol 1º- ed.Relógio d'Água

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