25/06/07

LER OS CLÁSSICOS - 70







A mania das novelas


"Contarei a V. M. üa cousa que a meu pesar me lembra. Caminhava por Espanha e, entrando em ua pousada bem cheo de neve, não houve algum remédio para que a hóspeda ou suas filhas, que eram duas, me quisessem abrir um aposento em que recolher-me. E quanto eu mais apertava me desenganavam melhor de que nenhüa se levantaria donde estava sem acabar de ouvir ler certa novela, cuja história ia muito gostosa e enredada. E tal era a sofreguidão com que ouviam que nem ameaçando-as com que iria a outra pousada quiseram desistir de seu exercício, antes me convidavam que ouvisse os lindos requebros que Cardénio estava dizendo a Estefânia, que tudo isto rezava a boa novela. Enfim, eu me fui apear a outra parte e, voltando em breve tempo por aquele lugar, e perguntando pela curiosa leitora e ouvintes, me disseram que muito poucos dias despois as novelas foram tanto adiante que cada üa das filhas de aquela estalajadeira fizera sua novela fugindo com seu mancebo do lugar, como boas aprendizes da doutrina que tão bem estudaram."


D.Francisco Manuel de Melo – Carta de Guia e Casados

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