31/07/07

DEIXARAM-NOS






deixaram-nos ontem dois que nos ensinaram a ver e amar o cinema :

Antonioni (1912-2007)
Ingmar Bergman ( 1918-2007)

Revisitemo-los, sempre.

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POETAS MEUS AMIGOS - 56



Dai-me

Dai-me trevas,
com elas construirei luz.


Dai-me o silêncio,
nele eclodirá a palavra,
surpreendente,
flor a sair das águas.

Dai-me o poder de pronunciar
a palavra, de nomear a coisa
que habitará cada verso.
Cantarei uma canção
entre o olhar e a realidade,
uma canção para sempre.

Dai-me o dom de perceber
a poesia pousada no mundo,
na face encantada do mundo,
no seu corpo maltratado.

Dai-me o privilégio
de ouvir a música
que vive nos gestos, no espaço,
no frágil equilíbrio da Terra.

Dai-me mãos e braços
para escrever o que sequer dizemos,
com eles produzirei novos significados
e alçarei vôo.
O vôo sutilíssimo do poema.



Silvia Chueire - http://www.eugeniainthemeadow.blogspot.com/

[Hoje esta minha amiga faz anos. Parabéns, poeta!]

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30/07/07

LEITURAS - 47


HELICON, atravessando a cena- Bom dia, Caius.
CALÍGULA, naturalmente- Bom dia, Helicon. (Silêncio.)
HELICON- Pareces fatigado.
CALÍGULA- Andei muito.
HELICON- Sim, a tua ausência foi longa. (Silêncio.)
CALÍGULA- Era difícil de encontrar.
HELICON- O quê?
CALÍGULA- O que queria.
HELICON- E que querias tu?
CALÍGULA- A Lua.
HELICON- O quê?
CALÍGULA- Sim, eu queria a Lua.
HELICON- Ah! (Silêncio. Helicon aproxima-se.)
CALÍGULA- Bem!... É uma das coisas que não tenho.
HELICON- Claro. E agora, está tudo em ordem?
CALÍGULA- Não, não a posso ter.
HELICON- É aborrecido.
CALÍGULA- Sim, é por isso que estou cansado. (Pausa) Helicon!
HELICON- Diz, Caius.
CALÍGULA- Pensas que estou doido.
HELICON- Bem sabes que nunca penso. Sou demasiado inteligente para isso.
CALÍGULA- Já sei. Enfim! Não estou doido, parece-me mesmo que nunca fui tão razoável. Simplesmente, senti de repente necessidade do impossível. (Pausa) As coisas, tal como são, não me parecem satisfatórias.
HELICON- É a opinião geral.
CALÍGULA- É a verdade. Até há pouco tempo, eu não a sabia. Agora, sei. (Sempre natural.) Este mundo, tal como está feito, não é suportável. Tenho, portanto, necessidade da Lua, ou da felicidade, ou da imortalidade, de qualquer coisa de demente, talvez, mas que não seja deste mundo.
HELICON- É uma razão de peso. Mas, geralmente, não podemos conservá-la até ao fim.
CALÍGULA, levantando-se com a mesma simplicidade - Que sabes tu disso? É porque nunca a conservamos até ao fim, que nada se alcança. Mas é possível que talvez baste continuarmos lógicos até ao fim. (Olha Helicon.) Li o que estás a pensar. Quantas histórias por causa da morte de uma mulher! Não, não é isso. Suponho recordar-me, é verdade, de ter morrido há alguns dias uma mulher que amava. Mas, o que é o amor? Pouca coisa. Juro-te que esta morte não quer dizer nada, apenas significa uma verdade que torna a Lua necessária. Uma verdade muito simples e muito clara, talvez um pouco estúpida, mas difícil de descobrir e pesada de suportar.
HELICON- E qual é, então, essa verdade, Caius?
CALÍGULA, lasso, num tom lento- Os homens morrem e não são felizes.
HELICON- Ora, Caius, toda a gente passa bem sem essa verdade. Olha à tua volta. Não é ela que nos impede de almoçar.
CALÍGULA, subitamente, numa explosão - Então, é porque tudo à minha volta é mentira, e eu, eu quero que se viva na verdade! E, justamente, tenho meios para os obrigar a viverem na verdade. Porque eu sei o que lhes falta, Helicon. Eles estão privados do conhecimento, porque lhes falta um professor que conheça aquilo que ensina.
………….

Albert Camus, Calígula

Excerto recolhido in http://www. atravessando o Inverno.blogspot.com

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29/07/07

RETRATOS DE UM PAÍS QUE QUASE JÁ NÃO HÁ -19


amola tesouras e tesourinhas
põe gatos nas panelas da cozinha...

O Amolador de Facas

Era feriado. E o amolador de facas subia a rua vazia carregando sua gaita e seu trabalho. Rompia o silêncio com sua melodia, a única que sabia, para atrair a vizinhança que já conhecia a música de amolar facas. Muitos poderiam estar viajando. Outros tinham coisas melhores a fazer. Mas muitos ficavam em casa, preparando o almoço, e talvez notassem que suas facas precisavam ser amoladas. Sem trânsito, tudo o que se ouvia era sua gaita. Não era vencida pelas buzinas nem pelo ronco dos carros. Não disputava com vendedores de pamonha, nem bombeiros, nem polícia, coisa nenhuma. Talvez apenas o canto dos pássaros acompanhasse o seu chamado, ou os cães ladrassem quando ele passasse. Mas, de qualquer maneira, ele não se importava. Fariam uma bela música juntos, naquela tarde de feriado. [...]

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DO FALAR POESIA - 70











Poeta, divina é a Palavra
na pura Beleza o céu repousa
toda a alegria nossa: e o Verso é tudo.

Gabriele D'Annunzio

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28/07/07

NOCTURNOS - 34




Que venha a noite

Que venha a noite e deixe o seu mistério
sobre nós dois, amor.
Não fomos feitos para andar ao sol
continuamente,
nem para ter saudades do passado
ou para chorar um sonho que se esfolha.
Nascemos só para viver e amar
e construir na sombra e no silêncio;
nascemos só para cantar e encher do nosso canto
confiado e heróico
a calma da alvorada que se espera;
nascemos só para nos confundirmos
na imensa teoria humana que se forma
e caminha consciente…
Que venha a noite e deixe o seu mistério
sobre nós
e traga, sobre nós, o esquecimento.

Álvaro Feijó

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27/07/07

PENSAR - 67

o outro lado do caderninho...

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26/07/07

POETAS AMIGOS - 55



ensaio geral para a eternidade

Não sou este aceno de luz
que às vezes reflecte no ar
um traço de música

não diz de mim
a voz com que dançamos
sem ensaios
em palcos de palavras

resquício de coisas
que se atraem e às vezes
colidem no início de um parágrafo

o que deixei para trás
o que poderei ter sido sem saber.

não interessa,responderei sempre
que maio florir.

o verão chega e ilumina
a desarrumação dos sentidos

a noite vem e leva consigo
as incertezas.

fico então
sem tempo nem modo
até nova palavra

Luís Lucas - http://dawningdusk.blogdrive.com/

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25/07/07

PÉROLAS -114




"A maioria das pessoas são como uma folha que paira e revoluteia no ar, estremece e cai no chão. Mas algumas são como estrelas, que seguem um caminho definido nenhum vento as desvia, têm dentro de si o seu guia e o seu caminho."

Herman Hesse, in "Siddhartha"

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24/07/07

UMA ATITUDE SE IMPÕE - AFRONTAMENTO - 2





[Denúncia]

[...]



A medo vivo, a medo escrevo e falo;
Hei medo do que falo só comigo;
Mais inda a medo cuido, a medo calo.

Encontro a cada passo com um inimigo
De todo bom espírito: este me faz
Temer-me de mi mesmo, e do amigo.

Tais novidades este tempo traz,
Que é necessário fingir pouco siso,
Se queres vida ter, se queres paz.


[...]

António Ferreira – Carta XII - a Diogo Bernardes

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23/07/07

O PRAZER DE LER- 67



Às vezes fecho o livro que estou lendo
para expurgar fantasmas
que como deuses me invadem.

Os livros têm licença de mentir
ou sufocar de verdades quem se arrisca.
Explicam nossas culpas
ou tocam sem cortesia na alma de quem lê
e atingem irreverentes os sentidos.

Às vezes me percebo nas palavras
outras, sofro
quando sem compaixão nem saída
a vida escrita esmaga um personagem.

Palavras que se atraem mutuamente,
escritos e leitores dão-se as mãos
a evocar instâncias
e bifurcar-se num jardim de Borges
multiplicados enfim,
outras histórias,
sobre segredos, memórias, sons e sonhos.

Perseverantes e inertes nas estantes
estão vivos:
habitam-nos razões inesperadas
canais de lágrimas e motes para o riso.

Em sua secreta música encapada
uns são baladas
outros sinfonias
outros ainda notas dissonantes
mutantes harmonias em palavras.


Adelaide Amorim - in http://inscries.blogspot.com/

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22/07/07

RETRATOS DE UM PAÍS QUE (QUASE) JÁ NÃO HÁ - 18



Feira de S.João, na Guarda- cerca dos anos 30

foto de antónio correia

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OS MEUS POETAS- 76

A Surpresa

Não há
homem ou mulher que por acaso
não se tenha olhadoao espelho
e se surpreendido
consigo próprio.
Por uma fração de segundo
a gente se vê
como a um objeto
a ser olhado.
A isto
se chamaria talvez
de narcisismo,
mas eu chamaria de:
alegria de ser.
Alegria de encontrar
na figura exterior
os ecos
da figura interna:
ah, então é verdade

que eu não me imaginei,
eu existo.

Clarice Lispector/A Descoberta do Mundo.
Nova Fronteira, 1984.

colocado por Carmen Cinira Salgado em - http://petalasdealcachofra.blogspot.com

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21/07/07

DO FALAR POESIA -69



"Não há poema em si, mas em mim ou em ti".

Octavio Paz

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20/07/07

DA EDUCAÇÃO - 28


.............
A tarefa do professor é outra: reconstruir, criticamente, a cultura, despertar a paixão pelo conhecimento, ensinar a descobrir e a indagar, ajudar a passar de uma mentalidade ingénua para uma mentalidade crítica, oferecer critérios para colocar o conhecimento ao serviço da sociedade, ensinar a pensar e a conviver…[...]


Miguel Santos Guerra, No Coração da Escola, Porto: ASA, 2003
Cit. em http://terrear.blogspot.com/

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19/07/07

OS MEUS POETAS -75



Espera

Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Eugénio de Andrade

[este vai em especial para a Ana Assunção, que dele tanto gosta ]

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UMA ATITUDE SE IMPÕE - AFRONTAMENTO - 1



img-magritte

Livre

Não há machado que corte
a raiz ao pensamento
não há morte para o vento
não há morte

Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida
sem razão seria a vida
sem razão

Nada apaga a luz que vive
num amor num pensamento
porque é livre como o vento
porque é livre»

Carlos de Oliveira

[Como se lembram, cantávamos «no antigamente» esta canção - que foi criada por Adriano Correia de Oliveira.]

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18/07/07

POETAS MEUS AMIGOS - 54



img: oiseau blessé

fractura



espera um pouco sei
que é branca a luz que bebo
nas sílabas dos sulcos dos teus olhos
e nem rasgões da boca acesa
podem contra ela

pouco me resta a dizer-te mas
espera ouve
a fala exausta prende-se perde-se
nada
maremoto algures
fonte
a respiração de
cantar sons
palavras


deixa
vai tenho
a fala presa
à vegetação deste lugar

Soledade Santos - http://nocturnocomgatos.weblog.com.pt/

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17/07/07

LEITURAS - 46


Todo o mundo (Everyman)
excertos
*
A religião era uma mentira que tinha reconhecido cedo na vida, e achava ofensivas todas as religiões, considerava sem sentido e pueris as suas patetices supersticiosas, não suportava a sua completa imaturidade - a conversa infantil e a virtude e o rebanho, a avidez dos crentes. Não embarcava em balelas sobre a morte e sobre Deus nem em obsoletos céus de fantasia. Só havia os nossos corpos, nascidos para viver e morrer nos termos decididos pelos corpos que tinham nascido e morrido antes de nós. Se dele se pudesse dizer que tinha escolhido um nicho filosófico, era esse - tinha-o descoberto cedo e por intuição, e talvez fosse uma visão elementar mas nem por isso deixava de ser completa.

**

Ao tomar consciência de tudo o que tinha desperdiçado, por si só e sem qualquer boa razão aparente e, o que ainda é pior, inteiramente contra a sua intenção, contra a sua vontade – da sua brusquidão para com um irmão que nem uma vez na vida tinha sido brusco para com ele, que nunca tinha deixado de o acalmar e de vir sem eu socorro, do efeito que tinha tido sobre os filhos abandonando os seus lares – ao chegar à humilhante conclusão de que estava agora reduzido, e não só fisicamente, a alguém que não queria ser, desatou a dar murros no peito, a bater ao ritmo da sua auto - recriminação, por poucos centímetros não acertando no desfibrilador. Naquele momento ficou a saber muito melhor do que Randy ou Lonny alguma vez saberiam, onde residia a sua insuficiência. Este homem normalmente calmo batia furiosamente no coração como um fanático em oração e, assaltado pelo remorso não só deste erro mas de todos os seus erros, de todos os erros indeléveis, estúpidos, inelutáveis - arrasado pelo desgosto das suas limitações mas agindo como se todas as contingências incompreensíveis da vida fossem obra sua - disse alto: «nem sequer o Howie! Acabar desta maneira e nem sequer com ele ao pé!»

***
Desfaleceu com a sensação de tudo menos de derrotado, de tudo menos de condenado, desejoso de mais uma vez se realizar plenamente, mas não acordou mais. Paragem cardíaca. Deixou de existir, liberto do ser, entrando no nada sem sequer saber. Como desde sempre tinha receado.

Philip Roth-Todo o Mundo-ed.D.Quixote,2007

Lê-se na contracapa do livro: «Uma história iniludivelmente íntima, embora universal, de perda, arrependimento e estoicismo – o combate de um homem contra a mortalidade.»

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16/07/07

POESIA

também...
(?)

img.obtida na net

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DESASSOSSEGOS - 57



A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
.
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.



Álvaro de Campos.Fernando Pessoa

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14/07/07

PENSAR - 66

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LIBERTÉ -ÉGALITÉ - FRATERNITÉ

Liberté

Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J'écris ton nom
Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom
Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom
Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom
Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom
Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom
Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom
Sur chaque bouffée d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom
Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom
Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom
Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom
Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes maisons réunies
J'écris ton nom
Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom
Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom
Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom
Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom
Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom
Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom
Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom
Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom
Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté.

Paul Éluard
[

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POEMAS COM ROSAS DENTRO - 40



Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!

Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!

Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...


Cecília Meireles

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13/07/07

PENSAR- 65

"Em cada geração, as melhores inteligências e as mais ricas imaginações são imoladas no Altar do Supremo Deus da Competição. A competição é, não apenas má, como um acto educativo, mas também como um ideal para a juventude. O que o mundo necessita não é de competição, mas de organização e cooperação; toda a crença na sua utilidade torna-se um anacronismo. E mesmo que a competição fosse útil, não seria louvável em si própria, considerando que as emoções correspondentes são de hostilidade e crueldade. A concepção da sociedade como um todo orgânico é de muito difícil aceitação, para os que foram educados numa ideologia de competição. Ética ou economicamente, é indesejável que a juventude seja educada na competição."
Bertrand Russell

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12/07/07

CAMONIANAS - 34



Quando a suprema dor muito me aperta,
Se digo que desejo esquecimento,
É força que se faz ao pensamento,
De que a vontade livre desconcerta.

Assim, de erro tão grave me desperta
A luz do bem regido entendimento,
Que mostra ser engano ou fingimento
Dizer que em tal descanso mais se acerta.

Porque essa própria imagem, que na mente
Me representa o bem de que careço,
Faz-mo de um certo modo ser presente.

Ditosa é, logo, a pena que padeço,
Pois que da causa dela em mim se sente
Um bem que, inda sem ver-vos, reconheço.


Luis de Camões-Rimas

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11/07/07

ESCREVER - 54



Os livros

A seguir fiquei mesmo cheio de solidão e tão farto das coisas más da minha vida e do mundo que disse para comigo: «Meu Deus, faz de mim um pássaro… É tudo o que sempre desejei… Um pássaro branco e ágil livre de vergonha, de maldade e de medo da solidão, e dá-me outros pássaros brancos com quem voar, dá-me um céu tão grande e tão vasto que, se eu nunca quiser descer para a terra, não tenha que o fazer.»
Mas Deus, em vez disso, deu-me estas palavras, e eu digo-as aqui.

douglas coupland-a vida depois de deus
trad. telma costa

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10/07/07

POETAS MEUS AMIGOS - 53


foto:amélia pais


frágeis sílabas de março

Ouço a tua voz nas folhas do jardim
que ainda existe por detrás da casa,
as tuas frágeis sílabas gravadas nas flores,

onde os pássaros vêm pela manhã pousar
e cantar no estendal das cores...

sou simples como a chuva ou como o vento,
não me peças pensamentos,
apenas sei florir



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09/07/07

O PRAZER DE LER - 66



Como ensinar o prazer de ler

[…]
Não se pode ensinar o prazer da leitura com aulas sobre as ciências da linguagem. O conhecimento da gramática e das ciências da interpretação não faz poetas. […]
Há textos que devem ser lidos ao ritmo de uma criança pulando corda e dando risadas. Como o poema "Leilão de Jardim", de Cecília Meireles:* "Quem me compra um jardim com flores? Borboletas de muitas cores, lavadeiras e passarinhos, ovos verdes e azuis nos ninhos?". O poema inteiro é marcado por essa alegria infantil, saltitante. Quando se passa para a sua "Elegia", escrita para a sua avó morta, o clima é outro. Há uma tristeza profunda. Há de se ler lentamente, com sofrimento: "Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus olhos. Tive medo de a enxugar: para não saberes que tinha caído".Li vagarosamente. O poema pede para ser lido vagarosamente. Terminada a leitura, não me atrevi a dizer nada. É preciso que haja silêncio. A música só existe sobre um fundo de silêncio. É no silêncio que a beleza coloca os seus ovos. É no silêncio que as palavras são chocadas. É no silêncio que se ouve aquela outra voz mencionada por Fernando Pessoa, voz habitante dos interstícios das palavras do poeta. […]


excertos de artigo de Rubem Alves-Como ensinar o prazer de ler-in Folha de S.Paulo
* ver o poema em comentário a este texto

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08/07/07

«ENSINOU A SENTIR VELADAMENTE» - 13




Interrogação

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.


Camilo Pessanha, Clepsydra

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07/07/07

LER OS CLÁSSICOS - 71

"Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. Mas no fundo isso não tem muita importância. O que interessa mesmo não são as noites em si são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre. Em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado."
Shakespeare

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06/07/07

RETRATOS DE UM PAÍS QUE QUASE JÁ NÃO HÁ - 17



...milho na eira

Ainda lembram a cena das desfolhada na Morgadinha dos Canaviais? Bem, aqui já é no post-desfolhada.

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DA EDUCAÇÃO - 27




Os excluídos no jardim.

Há dias passei pelo jardim onde brinquei na minha infância. Além de, mais uma vez o ter achado mais pequeno em relação à memória do passado, uma coisa me chocou pelo contraste. Em vez de ver crianças ou jovens a jogar à bola como no meu tempo de criança, vi grupos numerosos de arrumadores. Uns descansavam nos bancos de jardim. Outros jogavam à bola nos pedaços de relva do jardim.
No meu tempo de escola, esta era sem dúvida mais excluente. Preocupava-se muito menos com os alunos, com o seu acesso à escola e com o seu sucesso escolar. Agora estas preocupações são muito maiores. No entanto os excluídos proliferam. Proliferam também alguns discursos responsabilizando a escola pela produção de excluídos.
Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas dos responsáveis políticos maiores pela exclusão que grassa no mundo.

Henrique Santos- em http://edutica.blogspot.com

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05/07/07

DO FALAR POESIA - 68




incomportável

seja âmbar
o poema
furtado aos
intestinos da
palavra e
flamante seja
luz que recende
para sempre
inescrita


Sandra Baldessin

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04/07/07

LEITURAS - 45

Retrato de Mónica

[...]
«Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplos de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre do ioga ou da pintura abstracta.Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.[...]


Sophia de Mello Breyner Andresen, in Contos Exemplares

imagem:Sophia por Arpad Szenes

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03/07/07

REVIVALISMOS - 7



Ainda se lembram da euforia destes primeiros micro-computadores pessoais, nos anos 80? Também tive um…mas que era complicado saber lidar com eles, era…

Para saber mais sobre estes computadores, veja, por exemplo, em
http://pt.wikipedia.org/wiki/ZX_Spectrum

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02/07/07

POEMAS COM ROSAS DENTRO - 39



rubra

há uma rosa rubra na noite
uma rosa de silêncios e segredos

estende-se na madrugada

ninguém sabe das pétalas irisadas
pelo orvalho.

há uma rubra rosa na noite

é tua


silvia chueire

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