02/07/08

LEITURAS - 80



«Retirou as pernas, deitou-se de lado sobre o braço e sentiu pena de si mesmo. Esperou apenas que Guerássim saísse para o quarto ao lado e sem se conter mais começou a chorar como uma criança. Chorou pelo seu desamparo, pela sua horrível solidão, pela crueldade dos homens, pela crueldade de Deus, pela ausência de Deus.
«Porque é que fizeste tudo isto? Por que me trouxeste aqui? Porquê, por que me atormentas tão horrivelmente?...»
Não esperava resposta e no entanto chorava porque não havia nem podia haver resposta. A dor voltou a aumentar mas ele não se mexeu nem chamou. Dizia a si mesmo: «Outra vez, bate mais! Mas porquê? Que te fiz eu, porquê?
Depois acalmou-se, parou não apenas de chorar, parou de respirar e todo ele se tornou atenção: como se escutasse não uma voz que falasse com sons, mas a voz da alma, a torrente de pensamentos que se erguia no seu íntimo.
[…]
Parou de chorar,, e voltando a cara para a parede ficou a pensar sobre a mesma coisa: porquê, para quê todo aquele horror?
Mas por mais que o pensasse não encontrava resposta. E quando lhe ocorria, como muitas vezes ocorria, a ideia de que tudo aquilo resultava de ele não ter vivido como devia. Logo recordava toda a justeza da sua vida e afastava essa ideia estranha…

Lev Tolstoi, A Morte de Ivan Ilitch- trad. De António Pescada, Publ.D.Quixote,2007

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