22/03/10

O PRAZER DE LER -108


George Steiner

Um Mestre de Leitura

[...]
Gostaria de ser recordado - por pouco que perdure nas memórias- como um mestre da leitura, como alguém que passou a vida a ler com os outros. Para conhecermos bem o acto de leitura, devemos servir-nos das análises muito finas de Charles Péguy que deu na sua obra o exemplo de uma definição em filigrana e densa, intensa e cheia daquilo que uma leitura bem feita implica. É uma leitura que implica uma responsabilidade, e neste termo contém-se o de resposta. Trata-se portanto de responder a um texto, à presença e à voz de outrem. E isso tornou-se difícil senão impossível numa cultura onde o ruído é constante, que não tem de reserva uma prata de silêncio ou sequer de paciência. Entendo a paciência na sua acepção do sec XVII, quando a etimologia prevalecia em certas fórmulas, dando a "paciência" ou a "sofrer" um sentido que hoje se desvanece. Ler não é sofrer, mas falando com propriedade, estarmos prontos a receber em nossa casa um convidado, ao caír da noite.
[...]
Trata-se de corrermos o risco de que uma noite, um texto, um quadro, uma sonata, batam à porta da nossa morada- o meu livro Presenças Reais foi todo ele construído em torno desta imagem- quando é possível que o convidado destrua e incendeie a casa inteira. Pode ser também que nos roube e a deixe vazia! Mas temos de aceitar tomar o texto dentro de nós, e não sei como dizer a riqueza dessa experiência que vivi mil vezes, nomeadamente ao ler a Ética , de Espinosa, que é para mim uma referência última. Acolhe-me, sem se explicar e eu acedo finalmente ao poema.

[...]


George Steiner - Em entrevista a Ramin Jahanbegloo ( Quatro entrevistas com George Steiner ) Fenda edições

Etiquetas: ,

Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Licença Creative Commons